segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

UNI-VERSOS, DE CAROLINA MUÑOZ SUANCHA

Beijara-o tanto
que mesmo por lá lhe saíram as entranhas todas.
Deitada no pó da dor
pregou para o desejo enxugar.

Acabou de chorar
e arrancou uma após outra as pestanas
fez um longo fio
e coseu os lábios.

Diz-se que nunca mais
suplicou por amor

* * *

E uma cousa leva a outra...
Ele é de vidro,
ainda nem se sabe amado,
leu todos os gestos rítmicos,
fala do cortejo astral,
treme de estupor e
presente o seu final
Fragmentado no chão,
jaz feliz, agora ele é só desejo
e lembra.

* * *

Porquê é que assim dançavas não sei.
És o boceto dos meus afetos.
Apareces
e todos os meus versos são consoantes.
Mexes-te e a cultura perpetua-se.
Fazes amor com a reminiscência que sou.
Acordas
e voltas a ser un cadáver que à noite traz
o meu antídoto contra o esquecimento.

© Texto: Carolina Muñoz Suancha
© Tradução: Xavier Frias-Conde

sábado, 6 de janeiro de 2018

HAIKUS, DE FÁTI ZAH



Luz desta noite
a custodiar a terra
a lua cheia


Un raio de sol
entra pelo ferrolho
também a sombra


A chuva molha
o banco solitário
e a lembrança


Pingas de chuva
embafam os vidros
e a memória


Cheiro perpétuo
as castanhas assadas
gozo de infância



© Textos: Fáti Zah
© Tradução: Xavier Frias-Conde

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

PRIMEIRA NOTA DE VEGA E OUTROS POEMAS DE JAIME LORENTE

primeira nota de vega

olhamo-nos nos olhos:
apenas nos rodeia
o silêncio do que nascerão as palavras

ainda é cedo para serem pronunciadas
mas ela sabe quem sou

respira devagar
ainda o mundo não lhe ensinou
como acelerar os relógios;
a vida adormece nos seus olhos lentamente
com a minha mão amarrada

naquele momento cúmplice, íntimo, secreto
naquele vínculo vivo e nascente
germola a poesia


determinação

entre maços de papel com poemas tristes
sou um homem feliz
eternamente grato

entre maços de papel com poemas tristes
está a vida convosco

ante uma realidade distópica, desafiante,
refugio-me na poesia crítica
-sem largar a vossa mão-
então
volto ao lar

entre maços de papel com poemas tristes
fica o amor;

sumo
para vos alcançar a cada instante
e dedicar o meu tempo
a caminhar convosco
no coração puro,
neutro e singelo
da vida


entre reixas

por vezes saímos da prisão da nossa mente
e nunca encontramos
países, fronteiras ou ideologias:
apenas pessoas,
montanhas, peixes, mares e rios

compreendemos
que somos livres rodeados de aramados
a respirarmos o ar viciado
que nos mata lentamente

descobrimos
que uma parte de nós
saiu e conheceu a verdade

e muitos
por medo de afrontarem o mundo
e lutar contra as injustiças,
vestem de novo
a sua roupagem riscada
e
retornam
obedientes
à cadeia


© Texto: Jaime Lorente, 2018
© Tradução: Xavier Frias-Conde